A influenciadora Vanessa Lopes falou pela primeira vez sobre o quadro psicótico agudo que vivenciou durante sua participação no Big Brother Brasil. Após a desistência do programa, a ex-BBB relatou em entrevista que vem recebendo tratamento médico especializado após sua mente “romper com a realidade” dentro do programa. Especializada em saúde mental, a equipe médica da Holiste Psiquiatria, concorda que, apesar de relativamente comum, o transtorno ainda é cercado de tabus e preconceitos que dificultam o diagnóstico e o tratamento.
Rompendo com a realidade compartilhada
O psicólogo André Dória explica que o surto psicótico se caracteriza quando o sujeito rompe com a realidade compartilhada, assim como aconteceu com a influenciadora durante o programa, que começou a criar teses conspiratórias sobre o comportamento dos outros participantes e da produção do programa. “Se estamos numa sala e nós dois estamos vendo o mesmo vaso de plantas sobre a mesa, esta é uma realidade compartilhada. Já a pessoa em surto vive uma realidade particular que, para ela, é real”, explica.
A psicóloga Danielle Araújo complementa que o episódio pode ser desencadeado a partir de algum gatilho, algo que se escutou, se viu, experimentou, e, geralmente, acontece porque a pessoa já tem uma predisposição. Além disso, destacou que é preciso entender que, durante o episódio, a pessoa acometida tem plena convicção do que está falando: “Durante o delírio, que é uma interpretação própria da realidade, o sujeito pode acreditar que é Deus, que é famoso, que é casado com uma pessoa famosa, e a convicção é tamanha que podem construir ótimos argumentos para defender isso”.
O que acontece com o nosso cérebro?
Do ponto de vista médico, destaca o psiquiatra Kayo Barboza, o transtorno mental é uma condição que precisa de cuidado médico assim como um quadro de hipertensão, AVC ou qualquer outra condição clínica. “O surto psicótico é uma condição na qual há uma ruptura da concepção da realidade, por conta de uma alteração de neurotransmissores, sobretudo dopamina, que é comum a condições psiquiátricas, como esquizofrenia, mania e depressão, ou condições clínicas, como encefalite e delirium”.
Já Leonardo Araújo, também psiquiatra, aponta que é fundamental compreender os transtornos mentais a partir deste ponto de vista biológico e não meramente fruto das relações sociais para diminuir o estigma da doença mental. “Não há julgamento de valor quando se faz uso de medicação todos os dias para controle da pressão arterial, tireoide ou colesterol. No entanto, quando isto é para depressão, nota-se que o senso comum acusa o paciente com frases que são verdadeiros desserviços, como: seja forte; é só uma fase; será que você precisa mesmo disso?”.
Combate à desinformação
O surto psicótico é comum na rotina de profissionais de saúde mental. No entanto, ganham notoriedade pública apenas quando há reações drásticas ou quando acontece de maneira televisionada. A entrevista de Vanessa Lopes mostra o quanto os pacientes podem se recuperar com o tratamento adequado e ajuda a combater o preconceito e a desinformação sobre a doença. Durante a estadia da participante no Big Brother Brasil, muitas pessoas chegaram a achar que ela estava atuando e isso demonstra, segundo os especialistas, o despreparo para identificar este tipo de condição.
Para Claudio Melo, psicólogo na Holiste Psiquiatria, também é um erro comum associar o transtorno à agressividade. “Às vezes, se propaga que o surto leva a pessoa a ficar agressiva ou perigosa. Grande parte dos surtos psicóticos podem acontecer em silêncio e na maioria das vezes a agressividade, quando existe, se volta para a própria pessoa. O surto na verdade é algo que se processa inicialmente em silêncio, o que presenciamos dele é sempre uma resposta do que vinha se processando há muito tempo”.
O surto psicótico pode acontecer com qualquer um?
Em tese, a depender da perspectiva, qualquer pessoa está sujeita a um surto porque não se sabe o que organiza o sujeito psiquicamente. “Há pacientes que nunca tiveram uma crise psicótica, mas que ao se separar da relação amorosa, perder alguém da família, perder o emprego, desencadeiam uma psicose porque aquilo que falta naquele momento é o que mantinha o indivíduo organizado psicologicamente. Lembro de um paciente que entrou em surto depois que parou de jogar tênis porque, para ele, jogar tênis era a válvula para descarregar a raiva”, conta o psicólogo André Dória.
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Apesar disso, pessoas com transtornos psiquiátricos pré-existentes ou congênitos têm maior probabilidade de sofrer um surto psicótico. A psiquiatra Paula Dione aponta que o episódio pode ocorrer na esquizofrenia e outras psicoses semelhantes, mas também no transtorno afetivo bipolar, depressão com sintomas psicóticos e no transtorno de personalidade borderline. Entretanto, faz um alerta: “É problemático se referir a qualquer tipo de comportamento alterado como surto psicótico, isso acaba levando as pessoas a associarem o psicótico à criminalidade”.
Como é o tratamento de um surto psicótico?
O tratamento é feito por estratégias medicamentosas e abordagens multidisciplinares de suporte, necessitando geralmente de tratamento em um primeiro momento em ambiente de internamento por se tratar de um espaço seguro e com acompanhamento profissional intensivo, explica o psiquiatra Kayo Barboza.
Outro fator essencial é o acolhimento e o respeito por parte da sociedade, pois, como aponta o psicólogo André Dória, o quadro psicótico é uma experiência extremamente solitária para o paciente. “Um sujeito com ansiedade, por exemplo, consegue falar que está mal e que precisa de medicação. Já o psicótico, por sua vez, falará alguma fantasia e, aos olhos alheios, será taxado de louco. É muito solitário”, compartilha.
O psiquiatra Leonardo Araújo é enfático: “O respeito aos portadores de transtorno mental é fundamental e salva vidas, enquanto a desinformação atrasa o tratamento, aliena e alimenta o sofrimento destes cidadãos”, diz.